Por Mauro Fisberg, CRM 28119
Há poucos dias escrevi uma matéria para um blog sobre pediatria em que discutia a campanha da Sociedade Brasileira de Pediatria sobre o Setembro Laranja. Este é o mês de prevenção da obesidade infantil.
As palavras começavam assim…-“ Não me perguntem o por que das cores escolhidas para as campanhas de prevenção de várias doenças... Logo teremos o final das cores do arco íris, mas não o fim das doenças. Infelizmente vemos o recrudescimento de uma série de situações que não deveriam mais estar presentes, como dengue, febre amarela, sarampo, parotidites, e outras que poderiam ser prevenidas por vacinas. Outras doenças crônicas, como a obesidade, hipertensão e doenças cardiovasculares, já não tem tanta possibilidade de tratamento e prevenção tão simples.
Estamos voltando a ter picos de desnutrição associada a falta de recursos. Voltamos a ter picos de anemia carencial por falta de ferro e a obesidade infantil é cada vez mais frequente, intensa e precoce.
Daí a necessidade de uma campanha maciça para conscientizar inicialmente os pediatras brasileiros, e a partir daí a expansão para as famílias. A famosa crença de que criança robusta é criança saudável ainda é uma realidade para muitos pais e mesmo profissionais de saúde”. A criança com excesso de peso tem grandes chances de ser um adolescente e um adulto obeso.
Este inicio de texto me fez refletir sobre como a imprensa tem se referido à obesidade como um todo e à obesidade infantil. Há mais ou menos 40 anos, todas as manchetes refletiam uma outra realidade, a da desnutrição com suas fotos horrendas de famintos por guerras ou crises. Hoje as reproduções de quadros de Botero representam mais a realidade, com seus excessos de formas e fotos de adolescentes e adultos com pesos enormes, dobras gigantescas, e até mesmo a discussão de modelos off-size ou com tamanhos diferentes do tradicional esquelético.
Creio que existem duas formas complexas de entender o papel da imprensa tratando da obesidade- uma, em que revistas e jornais, noticiários de televisão e rádio, e mais recentemente os blogs, postagens redes sociais, referem-se aos tratamentos milagrosos para a perda de peso. Isto para mim sempre foi o modelo 7 dias para perder 5 quilos ou no número seguinte 5 dias para perder sete quilos preparando para o verão. Modelos famosos, atrizes, cantoras, todas tem suas receitas fabulosas, que misturam dicas de alimentação e de atividade física intensa e obviamente facílimas de serem seguidas. As matérias sempre se referem a perda rápida de peso, como a força de vontade foi vital para a mudança excepcional de peso após um determinado papel ou quem sabe uma gravidez. E todos se espantam como uma cantora pode voltar a forma quase segundos após a gestação.
A segunda forma refere-se ao conteúdo. Milhares de manchetes mostram novos medicamentos, pílulas, alimentos mágicos e novos cremes que reduzem medidas, peso, transformando pessoas obesas mórbidas em modelos musculosos ou capas de revista em um passe de dinheiro. Dificilmente vemos matérias sobre as causas específicas do aumento da obesidade. Raramente vemos matérias sobre os avanços lentos das mudanças de estilo de vida conseguidos aos trancos e barrancos por cada um dos pacientes impacientes que foram sempre obesos ou que assim se transformaram.
A obesidade na infância ainda é um tabu e choca. No entanto, uma foto de uma criança rechonchuda, cheia de dobrinhas, e risonha, é o sonho de todas as mães. Basta ver que os concursos de robustez infantil voltaram de forma disfarçada e ainda politicamente incorretos.
É óbvio que manchetes sempre foram as notícias que chamam a atenção, mas a única que realmente poderia refletir a realidade é a de que não existe uma forma simples, única e adequada para modificar a realidade nutricional de todo o mundo que ficou mais pesado. Milhões de dólares tem sido gastos em todo o mundo para pesquisas sobre a origem genética, programação metabólica ( ou por que somos programados para ter doenças crônicas desde a infância ou do período perinatal), fatores de risco para o ganho de peso, e também para avaliar medicamentos, programas de mudanças de estilo de vida, com escolhas mais saudáveis, alimentares, físicas e emocionais. E as respostas são escassas. Isto não é chamariz.
E claro que isto também se reflete na ação de governos, que não tendo respostas imediatas, adotam medidas politicamente visíveis, sempre restritivas, açodadas por regimes politicamente dirigidos. E as medidas de incentivo, de educação a largo prazo, ficam sempre abandonadas.
Uma coisa que nos chama também a atenção é a apresentação gráfica de qualquer matéria sobre o cotidiano, em que as modelos das fotos sempre são as modelos profissionais, portanto magras, esqueléticas ( saudáveis sim, mas constitucionalmente magras ). Talvez por que estejam sempre prontas, fotogênicas, maquiadas, pictures ready…O dia a dia é diferente. Somos diversos e especialmente cheinhos. Se 61% da população brasileira está acima do peso, o normal como aprendemos na estatística é a maioria…O bullying começa nas casas, vai aprender na escola e tem pós graduação na mídia. Não teremos uma resposta rápida para o problema, não existirá um único medicamento para tratar doenças tão diferentes que somente tem como característica comum o excesso de peso. Não existirá um único programa efetivo e eficaz para manter as medidas dentro de menores riscos. MAS seguramente haverá a necessidade de uma postura comum entre profissionais de saúde, governos, população e imprensa, para tratarmos de forma mais justa um problema tão complexo como a obesidade.
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