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29/09/2023
Aquele bebê gorducho com montes de dobrinhas é adorável, mas a ideia de que criança para ser saudável tem de estar cheinha e sempre raspar o prato pode trazer sérios problemas futuros. Quanto antes os pais e pediatras se preocuparem em manter a criança com o peso e as medidas na média para a sua altura e a sua idade, melhor, como explica o Dr. Mauro Fisberg, fundador e coordenador do Centro de Dificuldades Alimentares (CENDA) do Instituto PENSI e um dos maiores especialistas em nutrição infantil da América Latina.
No XI Simpósio de Dificuldades Alimentares do PENSI, realizado no dia 26 de agosto, o Dr. Mauro abordou as muitas consequências da obesidade infantil, que costuma se espalhar pela adolescência, afetar a autoestima, levar a tantas outras doenças, tomar conta da vida toda. “É uma doença genética que tem características metabólicas e é modificada pelo meio ambiente”, ele conta nesta entrevista. A obesidade é um grave problema de saúde pública que tem se alastrado pelo planeta e deve ser encarado por todo mundo junto: do olhar amplo dos governos e da sociedade ao diagnóstico precoce dos médicos, até dentro de casa, envolvendo a família inteira.
A má notícia é que os números são alarmantes. A boa é que é possível, sim, modificar isso. O melhor, como em tantos quesitos na vida e na saúde, é prevenir o problema. E, uma vez instalada, tratar a obesidade infantil com firmeza, muito esclarecimento e carinho. “Temos de ter mais positividade e menos negativismo na orientação ao paciente”, ele explica. Sai o não, entra o “que tal experimentar?”.
Notícias da Saúde Infantil – Obesidade infantil é doença, Dr. Mauro?
Dr. Mauro Fisberg – Sim. Ela é considerada uma doença múltipla que tem várias origens e várias consequências. É uma doença genética que tem características metabólicas e é modificada pelo meio ambiente. A obesidade pode ser modificada no seu curso e no seu grau de acordo com o tipo de alimentação, a atividade física ou de acordo com a possibilidade de doenças associadas que podem tornar o processo ainda pior. Quanto maior o tempo de alimentação inadequada, maior a gravidade do caso, maior o risco de a criança ter obesidade na fase adulta.
Notícias da Saúde Infantil – O fato de a obesidade ser genética explica por que existem crianças magras que comem muito e crianças que nem comem tanto e estão acima do peso?
Dr. Mauro Fisberg – Existem metabolismos diferentes, sim. Mas a obesidade é uma condição poligênica, porque são muitos genes envolvidos, então é uma soma de problemas. Não significa que uma criança nascida em família obesa vai ser obesa só por isso. Tem outros fatores associados. Existem alterações genéticas que vão determinar a minha resposta metabólica às gorduras ou à glicose, aos triglicérides, ao colesterol, que vão determinar minha capacidade de fazer atividade física, maior ou menor, ou podem interferir no apetite. E tem o ambiente obesogênico, que gera obesidade e está relacionado às características de modificação da doença: o tipo de alimentação, a frequência da alimentação, se existe um comportamento adequado da família na hora das refeições, se eles pulam refeições, se eles substituem refeições por lanches. As famílias determinam isso para a criança: também se a família for mais sedentária, tem uma probabilidade maior de a criança ser mais sedentária. Isso não é genético, isso é do ambiente, é a cultura da família. A obesidade é um risco genético, mas vai depender de como a família e a criança vão se comportar. E também não quer dizer que só é obeso quem quer. Depende de muitos fatores, e na população mais pobre depende de fatores econômicos.
Notícias da Saúde Infantil – Quais as doenças associadas à obesidade nas crianças?
Dr. Mauro Fisberg – Na faixa pediátrica nos preocupamos com as doenças de curto, médio e longo prazo. A obesidade tem alterações de peso, altura, medidas e que podem levar à maior dificuldade de caminhada; a criança pode ter alterações articulares, dificuldades na postura ou então problemas na pele. Normalmente ela tem muito menos problemas cardiorrespiratórios do que um adulto, mas já pode apresentar falta de fôlego ou alterações do sono. Esses são os problemas que a gente chama de imediatos, que acontecem na infância.
Notícias da Saúde Infantil – E o que começa na infância vai se agravando enquanto a criança cresce?
Dr. Mauro Fisberg – Sim. A médio prazo começam a surgir os problemas metabólicos, alterações das gorduras, como triglicérides e colesterol, e pode começar a alteração da insulina e da glicose, levando ao que a gente chama de síndrome metabólica, que é a resistência à insulina. A longo prazo, com a continuação do excesso de peso na idade adulta, vêm os problemas maiores: alterações cardiovasculares, doenças cardíacas, como infarto e embolias, e possibilidade de derrames, ou outras doenças neurocirculatórias, o agravamento de diabetes e até o óbito.
Notícias da Saúde Infantil – E os problemas emocionais, os transtornos alimentares, como bulimia e anorexia, podem surgir na infância?
Dr. Mauro Fisberg – Quando vai ficando mais velha, a criança pode ter alterações emocionais e psíquicas ao se defrontar com a sociedade. Os próprios pais podem cometer bullying, dizem “você tá engordando”, pressionam a criança, e depois na escola ela pode ser segregada; isso gera depressão e ansiedade. Esses transtornos costumam ser uma consequência um pouco mais tardia, na pré-adolescência e na adolescência.
Notícias da Saúde Infantil – Muita gente associa a gordura à falta de saúde, e que ser magro é ser saudável. Até que ponto isso é verdade?
Dr. Mauro Fisberg – Não é bem assim. Algumas pessoas acima do peso podem, sim, ter exames mais saudáveis do que pessoas magras, mas também precisamos pensar no que consideramos saudável. O pessoal acha que ser saudável é não ter doenças visíveis, só que o obeso pode ter alterações hepáticas, ou no metabolismo do cálcio, por exemplo, e nos exames iniciais tudo vai bem. O fato é que a obesidade aumenta os riscos para a saúde sempre.
Notícias da Saúde Infantil – Existem novos problemas de saúde associados à obesidade infantil que não sabíamos antes? E novas formas de diagnosticá-los?
Dr. Mauro Fisberg – Hoje temos maior frequência nos diagnósticos, o que nos ajuda a trabalhar com as crianças de forma precoce. Existem mais exames de avaliação da gordura corporal, e podemos saber com precisão se a criança tem mais massa muscular ou massa gorda. Além da circunferência abdominal, que é um marcador importante da obesidade nos adultos, nas crianças nós trabalhamos com vários marcadores: altura para a idade e as medidas da circunferência dos quadris, do pescoço e do braço.
Notícias da Saúde Infantil – Quando as famílias percebem que está na hora de levar a criança ao médico para ela perder peso?
Dr. Mauro Fisberg – Elas chegam tarde ao consultório, quando o processo de obesidade já está estabelecido. Isso tem uma parcela de culpa dos próprios serviços de saúde, que diagnosticam tardiamente e não fazem uma coisa simples que é pesar, medir e interpretar as curvas de crescimento nas crianças. É preciso fazer uma detecção precoce para prevenir o problema. Muita gente ainda tem a cultura de que gordura é força, que o bebê cheio de dobrinhas, exuberante, é forte. Isso era uma questão de sobrevivência antigamente, mas é um padrão dos anos 1950. Temos de mudar isso. No nosso ambulatório de dificuldades alimentares quase não temos crianças com baixo peso. Com a mudança na alimentação, a vida mais sedentária, hoje 60% da população brasileira tem excesso de peso, ou seja, temos seis pessoas com excesso de peso para quatro com peso normal. E cada vez mais vai ficar pior.
Notícias da Saúde Infantil – E é um problema mundial?
Dr. Mauro Fisberg – Sim, as crianças estão mais obesas, a população mundial está engordando. Há um aumento de obesidade em todos os países, em todos os níveis sociais e econômicos. Os dados epidemiológicos mostram que mesmo países que não considerávamos com nível de obesidade, como a França ou países asiáticos, estão engordando muito a cada ano. Gastam-se milhões e milhões de dólares e mesmo assim a gente não consegue dar conta do aumento de peso em todas as populações. Hoje temos mais esclarecimento na mídia, mas existem muito mais alimentos engordativos, a vida é mais sedentária. É uma luta inglória.
Notícias da Saúde Infantil – O que se pode fazer para tentar conter isso?
Dr. Mauro Fisberg – O primeiro passo é a prevenção. É uma luta em várias frentes. Temos de trabalhar com toda a sociedade, com a família, os serviços de saúde, tem de fazer diagnóstico precoce, dar orientação aos profissionais de saúde. É difícil prevenir e muito difícil modificar os hábitos alimentares. Costumo dizer que não posso tratar só a criança obesa, preciso tratar a família, os pais, os avós, o cachorro. Não consigo modificar o resultado na criança se eu não modificar o todo. Importante é a gente sempre propor menos restrição e mais orientação. Para a criança, a dieta é uma punição. Então em vez de dizer “Não faça isso”, temos de sugerir “Que tal fazer isso?”.
Por Rede Galápagos
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